Em algumas religiões orientais, como o hinduísmo, o budismo, o jainismo, o siquismo e o taoísmo, existe o conceito de karma. Basicamente, trata-se do princípio de causa e efeito, no qual suas ações boas ou más determinam se seu destino será bom ou mau. O maior problema está em associar esse princípio à crença na reencarnação, segundo a qual uma pessoa pode sofrer as consequências de suas ações em uma vida anterior. Essa crença gera injustiça social, pois faz com que a vítima de algo deixe de ser vista como vítima, já que, supostamente, estaria sofrendo por ter praticado algo mau em uma vida passada.
Supondo que uma criança nasça com deficiência, a culpa seria dela própria por, supostamente, ter feito algo em outra vida. Imagino o fardo que essa pessoa carregaria ao crer em algo assim, pois, além de sofrer por sua condição de nascimento, ainda se sentiria culpada por ter feito algo que nem sabe o que foi.
Essa lógica é injusta, ainda que aplicada apenas à vida presente, pois é possível que uma pessoa sofra por algo que não causou. É totalmente possível sofrer as consequências das ações de outras pessoas. Suponha uma situação de estupro: o culpado é o agressor ou a vítima? Por essa lógica, se é a vítima quem está sofrendo, então ela estaria colhendo o Dharma que plantou em algum momento, o que é um absurdo.
Levando essa crença às últimas consequências, além de reduzir a compaixão entre as pessoas, ela pode gerar uma sensação de indiferença quanto à punição legal dos crimes, pois se acredita que a pessoa naturalmente sofrerá as consequências de tudo o que fez.
Veja esse trecho de uma conversa entre Buda e seu aluno, tirado do discurso chamado “Cūḷakammavibhaṅgasutta—Bhikkhu Sujato” que pode ser lido aqui:
Considere uma mulher ou um homem que não dá aos ascetas ou brâmanes coisas como comida, bebida, roupas, veículos; guirlandas, fragrâncias e maquiagem; e cama, casa e iluminação. Por realizarem tais feitos, após a morte eles renascem em um lugar de perda... ou se eles retornam ao reino humano, eles são pobres...Mas tome alguma mulher ou homem que dá aos ascetas ou brâmanes... Por realizarem tais feitos, após a morte eles renascem em um reino celestial... ou se eles retornam ao reino humano, eles são ricos...
Quer dizer que se você nasce pobre, é porque em outra vida você se recusou a dar luxo a casta mais alta da sociedade? Lembrando que essas castas se davam por nascimento e eram imutáveis.
Isso é algo semelhante ao monasticismo medieval, em que, para que os monges pudessem se dedicar à vida espiritual, era necessário que camponeses pobres trabalhassem para sustentá-los, de modo que eles não precisassem se ocupar com o esforço físico em vez do ascetismo. A ideia era que, ao darem dinheiro aos sacerdotes, essas pessoas receberiam uma recompensa espiritual. Isso também ocorreu no período das indulgências e ainda acontece nos dias de hoje em algumas igrejas pentecostais que deturpam o evangelho com o objetivo de obter lucro.
Pegue uma mulher ou um homem que habitualmente fere criaturas vivas com um punho, pedra, vara ou espada. Por causa de tais feitos, após a morte eles renascem em um lugar de perda... ou se eles retornam ao reino humano, eles são doentios... Mas tomemos como exemplo uma mulher ou um homem que jamais machucaria seres vivos com um punho, uma pedra, uma vara ou uma espada. Por realizarem tais feitos, após a morte eles renascem em um reino celestial... ou se eles retornam ao reino humano, eles são saudáveis...
Imagina ver um recém nascido doente e pensar que se ele nasceu assim é por culpa dele próprio por "habitualmente ter ferido criaturas vivas com um punho, pedra, vara ou espada" em outra vida.
Em diversas passagens bíblicas, a verdadeira religião é descrita como cuidar daqueles que precisam e não recebem ajuda, e não como dar aos que já têm para servir aos líderes espirituais. Muito pelo contrário: quem quiser ser o maior deve servir a todos. Não há hierarquia social; todos vieram do pó e ao pó retornarão. Quem possui muito deve compartilhar com quem não tem.
Além disso, há uma passagem em que Jesus vai curar um cego de nascimento, e lhe perguntam de quem foi o erro para que ele nascesse cego, dele ou de seus pais. Jesus responde que de nenhum dos dois (João 9:2-3). Há, ainda, diversas passagens ordenando a misericórdia e a ajuda aos doentes e necessitados.
O cristianismo possui a ideia de causa e efeito, seguindo a lógica de que toda ação tem sua consequência, mas nada impede que uma pessoa colha a consequência do mal praticado por outra. Há várias passagens bíblicas que mostram situações em que isso ocorre. A culpa do mal sempre é de quem o pratica, não de quem o sofre.